Masculinidade: por que devemos nos preocupar com a saúde mental dos homens?

Por Aric Leite e Lourrany Meneses

Foto: Reprodução/Carilion Clinic

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), homens se suicidam três vezes mais que mulheres, no Brasil. A taxa mundial de suicídios é 7,5 a cada 100 mil mulheres. Já em relação os homens, essa taxa é 13,7. Uma das explicações para tal disparidade é a agressividade dos homens na escolha dos métodos, que costumam ser mais violentos e letais.

Segundo o psicólogo Mário Ponte, as mulheres superam os homens em tentativas, mas são os homens as maiores vítimas de suicídio consumado. “A taxa maior de mortalidade por suicídio entre os homens deve-se ao fato de que homens utilizam de meios mais letais do que as mulheres. As mulheres superam os homens em tentativas, mas os homens superam as mulheres em taxas de morte por suicídio em razão dos meios utilizados e em decorrência da falta de autocuidado”, disse o psicólogo.

Em 96,8% dos casos, indivíduos que tentam ou consumam o suicídio sofrem de algum transtorno mental, segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Sim, os homens também estão adoecidos. A escolha por métodos mais violentos não é por acaso ou por questão de força física, visto que a maioria dos homens recorre a armas de fogo ou enforcamento. Em resumo, o psicólogo Mário Ponte explica que alguns transtornos que também afetam as mulheres, são mais prevalentes em homens. “Sem dúvida o homem tem mais dificuldade em reconhecer e procurar ajuda para dificuldades na saúde mental. Mesmo os transtornos mais prevalentes em mulheres, como a depressão, trazem resultados mais gravosos nos homens (como o comportamento suicida) justamente dada a resistência em procurar ajuda”, explicou.

Gráfico mostra disparidade entre taxas de suicídio entre homens e mulheres

Observamos uma desproporcional agressividade masculina que, ora é voltada ao próprio indivíduo, ora é voltada ao externo. No Brasil, violência interpessoal é a primeira causa de morte de homens entre 15 e 49 anos, segundo o Ministério da Saúde. Dado que se relaciona também a fatores socioeconômicos do país. Em seguida, aparece acidente de trânsito, doenças do coração e, em quarto lugar, suicídio. A nível mundial, a tendência se confirma entre homens jovens: violência é a segunda causa de mortes, segundo a OMS. Entre mulheres, tal causa não está entre as principais.

Atos como suicídio e homicídio são a manifestação mais trágica de uma masculinidade violenta, reprimida emocionalmente e que causa profundos danos individuais e sociais. A construção do masculino, até chegar a esse ponto, adoece psicologicamente inúmeros meninos e homens, que manifestam sintomas de maneiras trágicas ou mais sutis, mas sempre perigosas.

Ao Luneta, Mário Ponte explica que o homem é criado com menos cuidado em relação às emoções, ao passo que as mulheres são mais incentivadas a falar de suas emoções. “Meninos são incentivados a resolverem as diferenças no grito ou na “porrada”. Meninas são ensinadas a manifestar suas diferenças através da linguagem. Meninos recebem menos carinho, menos afeto e menos atenção às dores emocionais. Meninas são mais abraçadas, recebem mais colo, são mais escutadas e mais protegidas”, explicou.

“Ao masculino é destinado o papel de provedor, de protetor e de emocionalmente inabalável. Ao homem não é ‘permitido’ sentir medo. Não é ‘permitido’ perder uma disputa. Não é ‘permitido’ admitir fraquezas tipicamente humanas”

Aos homens, são moldadas expectativas que se encaixem no que é ser homem. Qualquer característica que remeta ao feminino lhes é distanciada, sob a ameaça de terem a masculinidade invalidada socialmente ou a orientação sexual questionada.  A socióloga, professora e pesquisadora da área de violência de gênero e violência contra a mulher, Marcela Castro, pontua que os homens têm receio de serem taxados como frágeis.

A definição do masculino é tão engessada que o educador Paul Kivel, na década de 80, desenvolveu o conceito chamado Caixa dos Homens. Uma caixa que representa regras de comportamento que todo homem deveria seguir para ser aceito por outros homens. Dentro dessa caixa, há regras como: ser dominante e agressivo, nunca demostrar fraqueza, evitar expressar emoções, nunca fazer “coisas femininas”, buscar sexo a todo momento dentre outras coisas.

Diante do que vimos até aqui é importante pensar em o que de fato é “ser homem”, além da masculinidade que é ensinada aos meninos desde cedo e que vem causando tantos danos à sociedade, às mulheres e a eles próprios.

“O homem é um ser biopsicossocial, um ser humano bastante complexo. Apresenta identidade, valor, sexualidade, dentre outros aspectos sociais e subjetivos diferentes, que variam conforme o contexto sociocultural que foram inseridos. Esses aspectos contribuem para a formação e o comportamento dos homens na sociedade”, pontuou a socióloga Marcela Castro.

Somos ensinados de que é ser homem é muito além de ser forte, provedor e protetor. Para o ser emocionalmente “inabalável”, não é permitido sentir medo. Não é permitido perder uma disputa. Não é permitido admitir fraquezas tipicamente humanas. Ouvimos muito, que homem não chora, isso quer dizer, que o homem não sofre. Sendo o sofrimento uma experiência humana da qual não podemos nos afastar. E que tal pensarmos no homem muito além daquilo que nos ensinam? Compreender que estamos aqui por um processo de doutrinação cultural, e que nem todo ELE precisa gostar de futebol ou de carros, é o primeiro passo.

Historicamente, as mulheres lutam para ir além dos limitados espaços, lutam para conquistar autonomia e poderes sociais. Diferente dos homens, que já desfrutam de tais privilégios, pelo simples fato de serem homens. Em resumo, Marcela Castro explica como se deu esse processo de diferenciação diferenciados.

As mulheres foram ensinadas ao espaço privado, do lar, as serem dona de casa, mães e recatadas. Já os homens foram educados para ocupar os espaços públicos, os centros de poder políticos. Isso contribuir para que os homens apresentem uma forma de poder diferenciado, a ideia de que são “duros”, “machos” e “insensíveis”. Essas diferenças são percebidas em diferentes espaços de sociabilidades, que refletem nas suas relações socais e afetivas”, explicou a socióloga.

Essa lógica sociocultural é aprendida logo na infância, em frases banais como “seja homem”. A eles é dado o poder de se aventurar nas brincadeiras. Já as meninas são criadas para serem as rainhas do lar. Essa dominação se estende por toda a adolescência e repercute na vida adulta. Apesar de terem voz de comando, os homens não são preparados para vulnerabilidade. Quando tentam sair da casca imposta pelo patriarcado, são rechaçados, ridicularizados. É muito comum vermos homens que, quando falam de seus sentimentos, serem chamados de “mulherzinha”, numa conotação totalmente pejorativa. O que nos leva a pensa que os homens têm voz, mas não liberdade.

Para Mário Ponte, a liberdade dada ao homem é de se encaixar no padrão de masculinidade ditada pela cultura e ao mesmo tempo a de alimentar ideias condizentes com a inferioridade feminina. “Por que homens se ofendem ao serem chamados de “mulherzinha”? Porque está instalada a ideia de inferioridade feminina. A voz e a liberdade dada ao homem não o autoriza a abandonar o papel da supremacia do homem sobre a mulher”, pontuou o psicólogo. “A liberdade não dada ao homem pode ser observada em vários aspectos de comportamento, estando presente inclusive na moda. Mulheres passaram a usar calças, usam camisas de corte masculino, gravatas, casacos que imitam paletós (tailleur). Mas ao homem ainda se é proibitivo o uso de roupas ou adereços femininos sob pena de escárnio e de segregação”, completou o psicólogo.

Sem reconhecer a própria vulnerabilidade não há espaço para um tratamento emocional. Para os homens, a busca por terapias e autoconhecimento parece ser um caminho mais árduo, uma vez que o acesso às próprias emoções não é estimulado. “As mulheres, são ensinadas a usar a linguagem para manifestar seus desconfortos, não relutam em procurar ajuda na área da saúde mental quando precisam, porque para isso foram ensinadas e encorajadas. Meninos só são levados ao médico se adoecerem e aprendem que doença é coisa de “fracos”. Essa lógica se repete quando o assunto é saúde mental. Emoção é para “mocinhas””, destacou Mário.

Ainda segundo Ponte, a saúde mental é o resultado de cuidados nas várias dimensões de nossas vidas. Na infância precisamos de acolhimento, de segurança, de afeto, de regras bem definidas (ao mesmo tempo flexíveis), de cuidados de toda espécie. Na adolescência precisamos de voz, de liberdade vigiada, de um certo grau de autonomia, mas ainda precisamos de amparo, de apoio e de afeto familiar. Precisamos assumir algumas responsabilidades, mas ainda não dispomos de todos o arsenal necessário para encarar a vida adulta.  Na idade adulta precisamos cuidar de nossa saúde física, precisamos de uma rede social de apoio (amigos e família), precisamos de um local de trabalho que não seja hostil, precisamos de uma boa rotina de sono, de uma alimentação minimamente saudável, de atividade física e de cuidados profissionais quando for necessário.

Diante dos diversos fatores já mencionados, é comum que os homens só procurem ajuda quando chegam ao ápice de um problema mental. Como é o caso do desenvolvedor web, Antonio Lisbôa, de 20 anos, que em muitas das vezes tentou falar da ansiedade que lhe acometia, mas estereótipos e preconceitos não permitiram pedir ajuda.

“É bem ruim, esse estereótipo, essa ideia de que o homem, quando fala dos problemas, está sendo frágil, não está sendo homem, isso machuca a mente, e vai sendo cada vez mais difícil falar dos sentimentos para outras pessoas. No meu caso, começou com uma ansiedade e foi aumentando e eu depois de um tempo, eu decidi driblar esses estereótipos e pedi ajuda. Hoje depois da ajuda de um profissional eu sou uma pessoa diferente”, contou.

E se você se identificou com alguma parte desta matéria, saiba que sempre existirão pessoas e profissionais dispostos a ajuda-lo, como por exemplo o Centro de Valorização da Vida. Busque ajuda! Acesse: https://www.cvv.org.br/

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